Ensino de Artes Plásticas em Campinas

Capa do Livro

Ensino de Artes Plásticas em Campinas.

Sílvia  Basilio de Matos

Publicado em 1988 – Campinas – São Paulo

Artistas Educadores de Campinas e Suas Obras

Retratos por Sílvia Matos, expostos em  1988 no Centro de Convivência Cultural de Campinas.Período da exposição:24/05 a 14/06 de 1988

Retratos feitos durante as entrevistas com os artistas educadores. São trabalhos rápidos pois a proposta era retratar o momento do artista, fixando com manchas coloridas as impressões, as expressões e as emoções que o mesmo transmitia enquanto conversávamos.

Está sendo disponibilizada  neste site, provisoriamente, o texto da  primeira  edição do livro acima, publicado em 1988, em Campinas. Para o historiador  Duílio Battistoni Filho, o livro seria “o primeiro de que temos ciência sobre as artes plásticas em Campinas.”  A obra foi fruto de uma pesquisa de Iniciação Científica desenvolvida na Unicamp sob a orientação da prof.  Celia Maria de Castro Almeida. O livro foi dividido em oito capítulos focalizando o trabalho de artistas que além de seu projeto artístico, dedicaram-se ao ensino das artes em diferentes espaços.

Sumário      

Introdução

  1. Criação da Cidade de Campinas
  2. Os primeiros artistas e mestres de Campinas
  3. O ensino de artes plásticas na primeira metade do Século XX
  4. A primeira escola de arte e o ensino acadêmico e impressionista
  5. Grupo Vanguarda e sua influência no ensino de arte em Campinas
  6. O ensino artístico infantil
  7. O início do ensino superior de artes plásticas
  8. O ensino de artes plásticas na Unicamp

      Conclusão

      Bibliografia

      Revistas consultadas

      Artigos de jornais consultados

      ANEXO I – Fitas gravadas em entrevistas com os artistas.

ANEXO II – Pastas com xerox de documentos, recortes de jornais e catálogos.

      ANEXO III – 20 telas pintadas em acrílico, retratando os artistas-educadores foclizados nesta pesquisa; catálogos da exposição; cópias de recortes de jornais    a respeito da exposição; vídeo realizado durante a abertura da exposição, com depoimento dos artistas-educadores.

      Todos os anexos foram doados ao Centro de Memória da Unicamp


Introdução

O interesse pelo assunto surgiu da necessidade de reconstituir a história do ensino artístico, de valorizar o trabalho de artistas e instituições atuantes na área de ensino de artes plásticas em Campinas e, ainda, de buscar na experiência desenvolvida ao longo dos anos, algumas lições de como ensino arte.

O presente estudo teve origem em 1986 através de um trabalho realizado para a disciplina “Didática para o Ensino de Educação Artística”, do curso de Licenciatura em Educação Artística da Unicamp. Diante de alguns dados interessantes e inéditos, obtidos quase que por acaso, surgiu a idéia de se aprofundar o estudo inicial através de uma pesquisa, cujo projeto foi contemplado com uma bolsa de iniciação científica do CNPq e, posteriormente, pelo Fundo de Apoio à Pesquisa da Unicamp. A pesquisa pode ser desenvolvida graças ao auxílio destas duas instituições.

O estudo que resultou desta pesquisa enfoca o trabalho de determinados artistas que, além de seu projeto artístico, dedicaram-se ao ensino das artes plásticas – em escolas públicas ou particulares, ateliês ou centros culturais – e, desta forma, exerceram um papel importante na reformulação de metodologias do ensino de arte, seja na criação ou estímulo de novos grupos ou tendências em arte, ou ainda, na formação de novos valores.

Assim, é importante ressaltar que não se trata de uma história da arte de Campinas, razão pela qual muitos artistas dela fazem parte, e cuja obra artística é de reconhecido valor, não foram mencionados neste trabalho.

Na elaboração deste estudo foram consultadas as mais variadas fontes: livros, revistas, jornais e documentos pessoais. Foram também realizadas inúmeras entrevistas com os próprios artistas e com ex-alunos e parentes e amigos daqueles já falecidos. O material coletado é farto e, provavelmente, será de grande valia aos que desejarem prosseguir os estudos a esse respeito. Por essa razão, o trabalho se complementa com um mini arquivo contendo 20 pastas com o material coletado entre os artistas e 13 fitas cassete, onde estão gravadas as entrevistas. Todo esse material encontra-se à disposição dos interessados no Departamento de Artes Plásticas do Instituto de Artes da Unicamp.

Cumpre ainda ressaltar sobre um desdobramento desta pesquisa que resultou num trabalho mais artístico do que científico.

Já na elaboração do projeto de pesquisa surgiu a idéia de retratar os artistas-professores nela enfocados. Se linhas, formas e cores são o modo primeiro de minha expressão como artista, por que não fixar na tela as impressões difusas – e nem sempre possíveis de serem descritas verbalmente – captadas durante as entrevistas? Assim, os retratos foram realizados, não com o único objetivo de homenagear os entrevistados, mas, principalmente, pela necessidade de revelar minha visão pessoa e única de cada um, de uma maneira não verbal. São registros rápidos, realizados no momento da entrevistas, que procuram, através de manchas coloridas, transmitir as expressões e emoções colhidas durante uma conversa informal.

Com esses retratos, foi realizada uma exposição que contou ainda com uma obra representativa de cada artista retratado e painéis explicativos. O objetivo dessa exposição foi o de chamar a atenção das pessoas em geral e aos interessados em arte para a necessidade de se conhecer a história do ensino artístico, de valorizar o trabalho de artistas, professores e instituições atuantes na área de artes plásticas em Campinas.

Finalizando, é importante ressaltar que este não é um estudo conclusivo. Trata-se de uma pesquisa inicial, o começo de um trabalho que poderá ser ampliado e multiplicado, com o acréscimo de novos dados e análises críticas. Conseqüentemente, não é um estudo exaustivo, pois não foi possível registrar todos os artistas-professores que atuaram em Campinas num período tão extenso quanto o focalizado. Assim, aos que não foram mencionados, peço, desde já desculpas pela omissão que, certamente não foi intencional, mas resultado de contingências de trabalho. Dada a extensão do assunto, e sendo este um estudo exploratório, muitos atalhos e caminhos diversos foram deixados de lado. Não porque se considerou que a estrada percorrida fosse a melhor de todas, mas sim porque foi a possível.

       1.    A Criação da Cidade de Campinas

O viajante que saísse da Vila de Jundiaí, criada em 1655, com destino a Goiás, tinha que atravessar uma mata exuberante constituída de árvores altíssimas. Tal mata – conhecida pelo nome de Mato Grosso de Jundiaí – que se estendia desde o Ribeirão dos Pinheiros até os campos de Moji, tornaria a vida do viajante e de sua tropa, muito mais sacrificada se não houvesse, a meio caminho, três campinhos de pastagens verdejantes, com alguns regatos de águas frescas, lugar ideal para descanso da caravana. Eram os Campinhos ou Campinas do Mato Grosso. A partir de 1725, com a descoberta por Bartolomeu Bueno da Silva, de ricas jazidas auríficas em Goiás, o Mato grosso de Jundiaí passou a ser transporto por mais e mais pessoas à procura da fortuna em terras goianas.

Conseqüentemente, Campinas de Mato Grosso, com suas terras produtivas e o clima agradável, passou também a atrair a atenção dos viajantes, como um bom lugar para atividades de agricultura. Apesar da concessão de seis sesmarias nessa região, entre 1728 e 1744, a exploração e o povoamento permanente dessas terras não parece ter começado antes do período 1741-1744, época em que Francisco Barreto Leme, um dos beneficiados com sesmarias, resolveu fixar residência no lugar, vindo de Caçapava Velha. Inicia-se então o povoamento rural da região de Campinas, com a vinda de sitiantes que procuravam cultivar, principalmente, o milho.

A primeira iniciativa de caráter coletivo que se fez em benefício da pequena população rural do lugar foi a criação de um “cemitério bento”. Tal cemitério era muito necessário, pois o transporte de cadáveres até a Vila de Jundiaí se transformava numa longa, dificultosa e repugnante caminhada em meio à mata sombria. Documentos levantados por Mello Pupo (1) comprovam a existência de tal cemitério em 1753, no local onde hoje fica a Creche Bento Quirino, ao lado da Igreja de São Benedito.

O censo de 1767 comprova que, até aquele ano, ainda não havia na região qualquer núcleo que se pudesse considerar urbano. Entre 1772 e 1774, os moradores da região passaram a reivindicar, primeiro, a construção de uma capela e,depois, de uma matriz para sediar uma freguesia. Barreto Leme fez a doação de terras e, em 14 de julho de 1774, dia em que se benzeu a matriz provisória (2), foram instalados o Distrito e a Freguesia das Campinas. Antes, em 27 de maio de 1774, o capital geral, Morgado Mateus, determinou a fundação do núcleo urbano com as seguintes palavras:

“… porquanto tenho encarregado a Francisco Barreto Leme formar uma povoação na paragem chamada Campinas do Mato Grosso, distrito de Jundiaí, em sítio onde se achar melhor comodidade e é preciso dar normas para a formatura da referida povoação: Ordeno que esta seja formada em quadras de sessenta ou oitenta varas cada uma, e daí para cima, e que as ruas sejam de sessenta palmos de largura, mandando formar as primeiras casas nos ângulos das quadras, de modo que fiquem os quintais para dentro a entestar uns com os outros.” (3)

Fundado o núcleo urbano em 1774, benzida a matriz definitiva, mas ainda incompleta em 1781, só por volta de 1785 é que há um aumento substancial da população. Com o surgimento da indústria açucareira na região, entre 1790 e 1795, o distrito cresceu rapidamente e, em 16 de novembro de 1797, era assinada a portaria que transformava Campinas na Vila de São Carlos.

Campinas iniciava, assim, o Século XIX com o status de vila e uma florescente indústria açucareira, com os seus engenhos e grandes plantações de cana. O crescimento da Vila de São Carlos foi rápido e, já em 5 de fevereiro de 1842, era ela elevada à condição de Município, recuperando o nome de Campinas. A partir de 1850, o café substituiu o açúcar como o principal fator de crescimento, fazendo surgir, assim, uma burguesia abastada e as primeiras iniciativas de industrialização.

O crescimento econômico costuma trazer também o crescimento cultural e artístico. Como era de se esperar, isso também ocorreu em Campinas.

O que nos interessa neste trabalho é a evolução do ensino de artes plásticas em Campinas, com ênfase na influência que alguns artistas, também professores, tiveram nessa área.

2.      Os primeiros artistas e mestres de Campinas

Ao voltarmos na história, buscando as origens do ensino das artes plásticas em Campinas, encontramos como primeiro professor de pintura, na então Vila de São Carlos, o nome de Hércules Florence. Esse era o nome pelo qual Antoine Hercule Romuald Florence, nascido em Nice, França, no dia 29 de fevereiro de 1804, se tornou conhecido no Brasil.

Hércule Florence (1) herdou por parte de sua mãe, o sangue dos Vignallys. Seu tio, Arnaud de Vignallys, era detentor de um primeiro prêmio outorgado pela Academia de França e seu avô, assim como outros descendentes, haviam se dedicado às artes plásticas na mocidade. Vivendo no meio de quadros, desenhos, tintas e pincéis, não causa admiração que se deixasse influenciar pelo meio e desejasse ser artista. Aos vinte anos, e com a profissão de pintor e desenhistas, veio para o Brasil, contratado como segundo desenhistas da expedição científica do Barão de Langsdorff. Tal expedição durou três anos, a partir de 1826, e tinha por objetivo explorar o interior do Brasil, indo primeiro ao Mato-Grosso e, depois usando a Bacia do Amazonas, ao Pará. Com a morte do primeiro desenhista da expedição, Amado Adriano Taunay, Hércules Florence assumiu tal função, na qual executou um diário farto de material iconográfico de enorme valor histórico e científico.

A importância de Hércules Florence para as artes-plásticas se deve, em grande parte, a esse material que ele deixou como documentação de uma época. Tal material acabou sendo utilizado, posteriormente, por outros artistas. É o caso da tela “Partida das Monções”, de Almeida Júnior, baseada no desenho de Hércules Florence “A Benção das Canoas”. Da mesma forma, Benedito Calixto fez uma cópia do óleo de Hércules Florence intitulado “O Imperador entrega o prêmio na cavalhada de 1846”.

Como era comum naquela época, Hércules Florence também deixou uma série de estudos de nuvens, utilizados como material didático por outros pintores. (2) Realizou, ainda, vários retratos das personalidades da época, como o do senhor Miguel Ribeiro de Camargo, feito a gauche, considerado o mais antigo retrato de Campinas. Tal retrato pertence ao acervo do Museu Arquidiocesano de Campinas (3).

Além de sua contribuição como artistas, Hércules Florence – que a convite de seu sogro Francisco Álvares Machado, fixara residência em 1830, na então Vila de São Carlos – com o seu pioneirismo e inventividade, muito contribuiu para o progresso de Campinas. Ele é considerado o inventor da Polygraphia, hoje por nós conhecida por mimeógrafo, e reconhecido como um dos inventores da fotografia. Foi, ainda, o introdutor das Artes Gráficas em Campinas: o jornal “A Aurora Campineira”, que marcou o início da imprensa estável em Campinas, foi impresso na oficina tipográfica montada por ele.

Mas, para o nosso trabalho, Hércules Florence merece ser lembrado por ter sido o primeiro a se dedicar ao ensino de desenhos e pintura em Campinas. Notícias e informações da época nos contam que, paralelamente a outras atividades, exerceu a profissão de professor durante todo o período em que viveu em Campinas. Seu bisneto, Arnaldo Machado Florence, nos informa que as aulas serviam para ajuda-lo financeiramente pois, apesar do seu gênio de inventor, era um péssimo homem de negócios, vivendo sempre em dificuldades financeiras. A princípio, dava aulas e, mais tarde, passou a lecionar desenho e pintura no Colégio Florence, exclusivo para meninas e moças, e cujo objetivo era a educação de finas damas da sociedade. (4) Não se tem informações sobre seu método de ensino, mas podemos deduzir que ensinava segundo os cânones do neoclassicismo, dominante na Europa na época de seu próprio aprendizado. Aliás, esse era também o modelo seguido pela Academia Imperial de Belas Artes do Rio de Janeiro, fundada sob influência do espírito neoclássico vigente na França. Naquela época, era um modelo de arte que atendia o gosto da burguesia, e estava a serviço da monarquia e da aristocracia, muito distante, portanto, do modelo da arte colonial brasileira (barroco-rococó).

Antonio Carlos de Sampaio Peixoto, outro artista campineiro, nascido em 1835, também lecionou no Colégio Florence. Sobre ele, diz Mello Pupo:

“Este artista, conhecido por Sampainho, era de invulgar talento; habilíssimo montou a primeira olaria mecânica de Campinas, e que foi agraciada por D. Pedro II com o título de Imperial Olaria; ao lado desta indústria instalou a primeira fundição de implementos agrícolas e de transportes, iniciativas de puro idealismo. Pintou deixou inúmeros trabalhos dos quais poucos restam em mãos de descendentes; pintou em Bragança e teve seu atelier em São Paulo na Rua Barão de Itapetininga pelos anos de 1896.” (5)

Em 1853, o baiano Vitoriano dos Anos chega a Campinas para talhar o altar-mór da Catedral, o que faz com a ajuda de seus discípulos. Depois de sua partida, Sampainho, que em 1863 fora designado diretor de serviços da Matriz Nova, contratou Barnardino de Sena Reis e Almeida para completar os outros altares. Além destes, outro artista, o francês Claude Joseph Barandier, deixou na Catedral cinco quadros a óleo, pintados por volta de 1865, representando o Calvário de Cristo. (6)

A partir desta época, a vida artística em Campinas ganhou impulso. Exposições de artistas tornaram-se freqüentes na cidade. Em 1885, Lupércio Teixeira, Sampaio Peixoto e Elpinici Torrini expunham os seus trabalhos em locais diversos. Muitas vezes os quadros eram expostos em vitrines de estabelecimentos comerciais. (7) Somente em 1897, por iniciativa de Augusto Cerri & Cia, foi inaugurado um salão destinado às exposições de pintura.

A natureza tropical brasileira atraiu, durante todo o Século XIX, um grande número de artistas estrangeiros. Por outro lado, multiplicou-se o número daqules que chegavam ao Brasil à procura de uma clientela rica, que quisesse ter retratada a sua prosperidade. Isso vinha ocorrendo no Rio de Janeiro e em outras partes do país. Com a expansão cafeeira pelo oeste paulista, e o conseqüente enriquecimento de inúmeros fazendeiros, São Paulo e Campinas também se tornaram centros de atração para esses pintores. Vários fazendeiros da época podiam se dar ao luxo de ter artistas alojados em suas casas para retratarem a família. Henrique Rossen, conhecido fotógrafo, contratou na Europa o artista Fernando Piereck, formado pela Academia de Viena e especialista em retratos de tamanho natural. Campinas acolheu ainda Fragoso, Julio Ohmstrom, Eugênio Papf, Barandier, Salvador Escola, Elpinice Torrini.

À medida que a cidade crescia, firmava-se como centro cultural. O interesse pelas artes plásticas, ou belas artes como então se dizia, expandia-se cada vez mais. Tal fato pode ser comprovado pelo grande número de artistas que aqui passavam temporadas, executando serviços por encomenda e (talvez) ministrando aulas de pintura e desenho aos interessados. Era, no entanto, uma arte fundada em padrões estéticos acadêmicos, agradáveis à elite local. Enquanto na Europa já se conhecia e se admirava o Romantismo de Delacroix, o Realismo de Courbet, o Impressionismo, o Simbolismo e Art Noveau, em Campinas, prevalecia o academicismo.

Notas

(1)   Teresa Cristina Florence Goedhart, tataraneta de Hércules Florence, estudou artes plásticas na Escola de Belas Artes de São Paulo e desde 1974 até 1986, lecionou pintura em Campinas. Hoje prefere se dedicar somente à pintura. Dona de um curriculum respeitável, sua pintura é impressionista.

(2)   Este era o um costume comum na Europa. Os pintores se baseavam em estudos – verdadeira receitas – para pintar nuvens ou imitar detalhes da natureza. Vide História da Arte. E. H. Gombrich. Zahar. 1979. Rio de Janeiro.

(3)   A título de curiosidade, lembremos o comentário feito por D. Pedro II, em seu diário, na ocasião de sua visita a Campinas, em 1875: Florence mostrou-me pinturas suas. O retrato por acabar de Carlos Gomes está horrível”. (Celso Maria de Mello Pupo, op. Cit., p. 171) Tal opinião, todavía não  diminui o valor de Hércules Florence como artista, e nem tão pouco a importância de seu trabalho pioneiro em Campinas.

(4)   Este colégio foi fundado em 30 de novembro de 1863, por sua segunda esposa, D. Carolina Krug Florence, que na juventude fora aluna de Pestalozzi.

(5)   Celso Maria de Mello Pupo, op. Cit.,p. 205.

(6)   É interessante notar que a decisão de construir a Catedral se deu em 1807, com o compromisso de financiamento da mesma pelos senhores de engenho e demais proprietários rurais. As dimensões planejadas para ela transcendiam as necessidades da pequena vila dessa época. Sua cobertura, feita em 1845, coincidiu com o período de transição na região – passagem do ciclo da cana de açúcar para o ciclo do café. A igreja, iniciada sob o patrocínio dos senhores de engenho, foi concluída pelos fazendeiros de café.

(7)   O Constitucional. Jornal de 2 de julho de 1882. Arquivo do Sr. Celso Maria de Mello Pupo.

3.   O ensino de artes plásticas na primeira metade do Século XX

A partir de 1901, por influência das idéias positivistas que imperavam no país, o ensino de desenho foi incluído nos colégios oficiais e particulares. Não era o ensino do “desenho artístico”, mas do “desenho geométrico”. Havia, nesta época, um preconceito em relação à

“Arte como criação, ou ainda, para usar linguagem da época, a Arte como Beleza, num currículo que não tinha objetivos formativos gerais, mas cuja finalidade era apenas preparar para a escola superior” (1)

Nos cursos normais ministrava-se aulas de desenhos pedagógicos. O objetivo era treinar os professores para que fossem capazes de ilustrar suas aulas através do desenho. Marcelino Vélez, escultora famoso – é dele o Mausoléu dos Voluntários Constitucionalistas, situado ao lado da entrada principal do Cemitério da Saudade em Campinas – ministrava aulas na Escola Normal Carlos Gomes. Seu método consistia em dar temas ao alunos (um menino jogando bola, por exemplo) para serem desenhados no quadro negro. Todo desenho era praticado no quadro negro, pois este seria o futuro material de trabalho das normalistas.

Outros artistas-professores dessa época foram: José Rosada, escultor italiano que lecionou no Colégio Nossa Senhora Auxiliadora; Salvador Caruso, excelente retratista e colorista, deu aulas particulares e nos colégios da cidade; Rui Martins Ferreira, que estudou em Florença e era titular da cadeira de Desenho no Colégio Culto à Ciência.

Com a ênfase dada ao ensino profissionalizante, o desenho do curso secundário privilegiava a idéia de formação de mão de obra especializada. Assim, no início do Século XX, o ensino de artes plásticas em Campinas ficou restrito à iniciativa privada.

Neste sentido, o Centro de Ciências, Letras e Artes, fundado em 1901, teve um papel importante na vida cultural da cidade. Várias exposições de vulto se realizaram em sua sede, entre elas as de Benedito Calixto, Oscar Pereira da Silva, Parreiras, Pedro Alexandrino, Nicolina Vaz (2), lasar Segall e Campos Aires (este um pintor paulista que residiu vários anos em Campinas, tendo lecionado a grande número de alunos). O Centro de Ciências, Letras e Artes teve, ainda, a iniciativa de formar uma pinacoteca com obras desses expositores e de outros artistas. Datam desta época, os primeiros anúncios de aulas particulares de pintura e desenho publicados na revista do Centro de Ciências, Letras e Artes. Num deles, em 1903, o pintor e fotógrafo Frederico A. Lobe anunciava: “Lições de pintura e desenho em casa particular ou no atelier conforme preço convencionado.” (3)

Em 1903, Coelho Neto, que nessa época lecionava no Colégio “Culto à Ciência”, propunha a criação de aulas de Desenho Linear, Estética e rudimentos de História da Arte, no Centro de Ciências, Letras e Artes. Na primeira década do século, esta entidade cultural chegou a formular a idéia de se fundar uma Escola de Belas Artes, o que, infelizmente, não chegou a ser concretizado.

No início do Século XX, vários artistas estrangeiros radicaram-se em Campinas. Em suas casas e ateliês, lecionavam pintura e desenho e entre eles podemos citar: os italianos Orestes Colombari, Luiz Franco, Orestes Pezzotti, Ângelo Bertone, Lourenço de Servi (que possuía seu ateliê num casarão da Rua Bernardino de Campos, atrás da atual estátua de Carlos Gomes) e Alfredo Norfini, cuja aluna, Maria Luiza de Pompeu, já expunha em Campinas em 1905 e, posteriormente, em São Paulo e em outros centros do país.

Apesar das crises causadas pela epidemia de febre amarela no início do século, e pela queda do preço do café no mercado internacional, na década de trinta, a cidade conseguiu sobrepujar essas dificuldades. Recompôs sua economia e continuou em franco progresso econômico. Industrializava-se e prosperava, mas não apresentava grandes avanços em relação às artes plásticas. Havia um certo atraso quanto aos movimentos modernistas que ocorriam na Europa e, até mesmo em alguns centros culturais brasileiros. Em 1922, São Paulo viu a realização da Semana de Arte Moderna. Um dos fatos que antecederam essa semana fora a exposição de Lasar Segall, em São Paulo, em 1913. Nessa mesma ocasião, Segall expôs em Campinas, mas nenhuma influência exerceu sobre arte que se fazia na cidade, a dos paisagistas e retratistas. A modernidade só chegaria à Campinas muitos anos mais tarde, pela influência decisiva de um grupo de artistas campineiro que, em 1958, formava o Grupo Vanguarda.

Notas

1.      Ana Mãe T. Bastos Brbosa. Arte-Educação no Brasil: das origens ao modernismo. Perspectiva. 1979. S.P.

2.      Nicolina Vaz é considerada a primeira escultura brasileira. Nascida em Campinas em 1874, foi aluna de Bernardelli e Amoedo. Foi também a primeira mulher a ganhar uma viagem à Europa, às expensas do Governo do Estado de São Paulo. “Surgiram dúvidas – as dúvidas geraram debates. A pensão – diziam – era para homens e não para mulheres. A questão repercutiu no Congresso. E este decidiu a favor de Nicolina Vaz” (Diário do Povo de 19 de abril de 1955, segundo transcrição do Jornal Diário de Notícias do Rio.

3.      Anúncio publicado na Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes, nº 2. Ano II – abril 1903.

4. A primeira Escola de Arte e o ensino acadêmico e impressionista

A primeira escola de artes plástica, em Campinas, foi fundada por Joaquim Olavo Sampaio, neto do artista Antonio Carlos de Sampaio Peixoto, mencionado anteriormente. De fato, Joaquim Olavo Sampaio fundou em 1941 duas escolas: a Escola de Desenho e Tecnologia e a Escola de Desenho e Pintura Campinas. A segunda, que nos interessa particularmente, é que visava o ensino artístico. Nela eram ministradas aulas de história da arte, pedagogia do desenho, geometria descritiva, desenho livre e pintura, sendo que, para cada matéria, havia um professor específico. O diploma da escola conferia ao portador o direito de lecionar desenho nos cursos ginasiais da época, pois a escola tinha a aprovação do Conselho de Orientação Artística de São Paulo.

A primeira sede da Escola de Desenho e Pintura de Campinas ficava na Rua Regente Feijó, esquina com a Rua Ferreira Penteado. Depois mudou-se para a Rua General Osório, esquina com a Senador Saraiva, num prédio antigo da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro. Nele eram dadas as aulas teóricas e de desenho técnico numa sala do andar superiro e, no porão – de teto bem alto e de amplas dimensões – eram ministradas as aulas de desenho e pintura. Algumas aulas eram dadas ao ar livre em determinados logradouros públicos. Um dos lugares preferidos pelo alunos e professores, era o chamado “Beco do Inferno”, a travessa Vicente de Paula, na Rua Luzitana.

A escola mantinha um curso completo de ensino artístico a ser realizado em rês anos. No primeiro ano, o aluno aprendia desenho natural, utilizando primeiro grafite e, depois, carvão. Aprendia ainda a trabalhar luz e sombra, panejamento, texturas. No segundo ano, o estudo era centrado nas cores, a pastel e tinta a óleo. Os trabalhos tinham como tema a natureza morta. Finalmente, terceiro ano, os alunos aprendiam a desenhar a figura humana, copiando em preto e branco, estátuas em gesso. Só aos melhores alunos era permitido fazer figuras humanas com tinta a óleo, copiando do natural.

Cerca de trezentos alunos por ano freqüentavam a Escola de Desenho Campinas, a maioria deles vinda de cidades próximas a Campinas. Entre seus muitos alunos que seguiram a carreira artística podemos mencionar Clodomiro Lucas, Berenice Toledo, Fedor Krutinsky, Biojone, Maria Helena Motta Paes. Dos professores que nela lecionaram podemos lembrar os artistas Mário de Oliveira, pintor de casarios, Thomaz Perina, Maria Helena Motta Paes, Lobo e Maria Aparecida Bueno de Mello (Piki).

A Escola de Desenho e Pintura Campinas ou a Escola do “seo” Olavo, como também era conhecida, pertenceu ao Sr. Olavo, durante quarenta anos. Fedor Krutinsky, dono de uma indústria de móveis, conheceu o Sr. Olavo quando este, ao projetar a decoração de algumas igrejas de Campinas, precisou de seu serviços para a execução de altares, lustres e candelabros, entalhados em madeiras. (1) Olavo Sampaio vendo a necessidade que Krutinsky tinha de conhecer melhor o desenho para executar bem o seu trabalho, ofereceu-lhe aulas em sua escola. Krutinsky, que já tinha uma base de desenho técnico, adquirida no Senai, passou a estudar na Escola de Desenho e Pintura Campinas, nos anos de 1973 a 1975. No ano seguinte, assumiu, como professor, várias aulas da escola. Nelas, segia o esquema de ensino que aprendera com o Sr. Olavo, prof. Lobo e Mário de Oliveira.

Em 1981, decidindo aposentar-se, Olavo Sampaio vende a escola para os professores que lá lecionavam. Krutinsky foi um dos novos proprietários da escola, mas desligou-se dela três anos depois. Vários de seus alunos seguiram-no e além desses, hoje ele possui um grupo de mais de vinte estudantes na cidade de Indaiatuba onde mantém o ensino tradicional realista. Krutinsky aceita que um aluno tenha estilo moderno, mas insiste que o desenho é fundamental e cita “uma frase bastante conhecida entre os artistas: admite-se que um desenhista que não saiba pinta, mas não um pintor que não saiba desenhar” (2). Incentiva seus alunos organizando exposições, incitando-os a participar de salões e a visitar mostras de arte. Vários de seus alunos já expõem individualmente.

Quanto à Escola de Desenho e Pintura Campinas, sob nova direção, continua mantendo ainda o ensino acadêmico, mas com a duração de um ano somente. Sua projeção no cenário artístico de Campinas já não é a mesma que conseguiu obter na época de sua criação.

Paralelamente ao ensino acadêmico desenvolvido na Escola de Desenho e Pintura Campinas, vários artistas, fiéis aos preceitos acadêmicos e impressionistas, desenvolveram um trabalho de ensino através de aulas particulares.

José Ferraz Pompeu, o Pompeuzinho como é mais conhecido, é um desses artistas. Na década de 40, querendo aprender a pinta a óleo, tomou aulas com o pintor italiano Orestes Pezzotti. Com ele saía para o campo, aprendendo que a natureza e o trabalho contínuo eram bons professores. Sua primeira exposição ocorreu em 1952, no então Teatro Municipal, apresentando óleos sobre telas que retratavam tipos populares, ruas e paisagens de Campinas daquela época. Um ano antes, já havia sido premiado no 9º Salão de Belas Arte de Campinas, ao lado de Maria Aparecida Bueno de Mello, Mário Bueno, Coluccini, Aldo Cardarelli, Geraldo Jurgensen, Orestes Pezzotti e Thomaz Perina.

Pompeuzinho, desde então, vem desenvolvendo seu trabalho como artista e professor. Ainda hoje, se formos a Souzas, Joaquim Egídio, Valinhos ou arredores de Campinas, poderemos encontrar Pompeuzinho pintando suas paisagens. Durante todos esses anos, teve vários alunos, ensinando-os através do método que aprendeu: pintando a natureza, como os olhos a vêem. (3).

Aldo Cardarelli foi outro artista acadêmico que se manteve nessa linha durante toda a sua vida. Segundo ele, foi convidado para participar do Grupo Vanguarda, pois, na época, já era um pintor famoso, mas recusou: “fui o único em Campinas que não aderiu ao Grupo Vanguarda … Eu mantive minha linha … Sou de opinião que cada um deve fazer aquilo que quer, aquilo que gosta” (4).

Realmente, Cardarelli foi um artista que sempre acreditou no que fazia e, como professor, desde muito jovem já procurava transmitir suas idéias aos novos talentos. Aos 16 anos, foi aluno do italiano Luís Franco e, aos 21 anos de idade, já lecionava na Academia Campineira de Pintura, que funcionava num antigo casarão da Rua José Paulino, hoje demolido. “Nessa academia, ignorada pelos poderes competentes, o jovem pintor pacientemente ministrava lições a quinze alunos” (5).

Sem descuidar de sua carreira artística, Cardarelli dedicou ao ensino durante toda a sua vida, seja ministrando aulas a alunos particulares, seja lecionando na Faculdade de Arquitetura da Universidade Mackenzie, em São Paulo, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e no Conservatório Musical Campinas. Suas aulas foram sempre ministradas dentro dos preceitos acadêmicos, que orientaram seus trabalhos.

Apesar de sua liderança natural entre os chamados acadêmicos de Campinas, Cardarelli chegou a pintar alguns quadros abstratos e a fazer pesquisas na área. Além do mais, tinha profundo respeito pela individualidade de seus alunos e isso permitiu que muitos deles seguissem caminhos diferentes em arte. Este foi o caso de Claúdia M. Del Canton, artista plástica e professora de serigrafia  na Unicamp.

Nos últimos anos de sua vida, Aldo Cardarelli mostrava-se desiludido em relação ao ensino de artes plásticas:

“Não acredito que em cem alunos, apareça um que queira se submeter ao ensino como é devido. A maioria quer pintar sem desenhar, ninguém gosta de desenho. Já querem ir direto nas tintas”.

Além disso, dizia o artista, a maioria tem apenas a

“intenção de fazer quadros para enfeitar suas casas” (4).

Nesse comentário, notamos a seriedade do artista e sua preocupação com o ensino da pintura, através da qual tentou influenciar novos talentos, pelo seu próprio exemplo.

Grande amigo de Cardarelli, outro artista e professor no estilo neo-clássico , foi Coluccini.

Lélio Coluccini, nascido na Itália, cursou a Academia de Artes de Carrara, tornando-se escultor. Em 1931, voltou a Campina, onde já residia sua família (seu pai era dono da marmoraria “Irmãos Coluccini”). Detentor de vários prêmios na Itália, Coluccini fez, em 1936, sua primeira exposição em Campinas, no Centro de Ciências, Letras e Artes. A partir de então, participou ativamente da vida artística de Campinas. Em 1957, apesar de ser um artista neo-clássico, expõe na segunda exposição modernista de Campinas:

“Lélio Coluccini, o neo-clássico de nossos escultores, também incansável na procura de algo novo, apresenta alguns trabalhos de sentido religioso, tratados em moldage de profundidade, e dois outros de aparência mais vigorosa que lembram em seus detalhes algumas obras do mestre Rodin …” (6)

Coluccini ministrou aulas de escultura em seu ateliê, na escola “Gabriele D`Annuncio”, do Instituto Ítalo Brasileiro e, em 1954, no Centro de Ciências, Letras e Artes. Seu método consistia em ensinar o aluno a modelar o barro, seguindo um modelo em gesso. Uma vez terminada a modelagem, os alunos aprendiam a fazer o molde da peça em gesso.

Dois de seus alunos prosseguiram, posteriormente, seu trabalho de ensino em escultura. Sua aluna, a artista plástica Maria Aparecida Bueno de Mello e seu pupilo e ajudante, Olquídio Lopez Bardney, atualmente professores de escultura da Pontifícia Universidade Católica de Campinas.

Coluccini, que faleceu em 1983, foi um artista que, na sua caminhada artística, trabalhou esculturas clássicas, neoclássicas e outras bem modernas, quase abstratas, mantendo sempre sua liberdade e independência. Campinas orgulhosamente ostenta em sua praças duas de suas obras que falam por si só: o Monumento às Andorinhas, em frente ao Museu de Arte Contemporânea “Jóse Pancettii” e o Momumento Comemorativo do Bicentenário de Campinas, no Largo das Andorinhas.

NOTAS

(1)   O Sr. Olavo Sampaio conhecia muito sobre arte sacra. Por não ser engenheiro, projetava igrejas em parceria com arquitetos. Já o projeto de decoração das igrejas era todo seu. São de sua autoria, os projetos de decoração interna das seguintes igrejas de Campinas: N.S. das Dores, N.S. do Rosário (nova), N.S. das Graças, Divino Salvador, N.S. Auxiliadora, N.S. de Fátima, Capela da Beneficiência Portuguesa, Templo Votivo. São projetos seus também várias igrejas de Louveira, Valinhos, Nova Odessa e a Igreja D. Bosco, em Americana.

(2)   Entrevista de Fedor Krutinsky feita pela autora, em 1987, gravada em fita cassete e arquivada no Centro da Memória da Unicamp

(3)   Um dos alunos do Pompeuzinho que se firmou na carreira artística, na mesma escola do mestre, é Dinael César Barbosa.

(4)   Entrevista de Aldo Cardarelli feita por Rafaela Passos Furtado em fita cassete, em 1981. Cópia arquivada no Centro da Memória da Unicamp

(5)   Soares, F., “Cardarelli”, Correio Popular, Campinas, 1/12/1973.

(6)   Mendes, José de Castro, Correio Popular, Campinas, 5/9/1957.

5.   Grupo Vanguarda e sua influência no ensino de arte em Campinas

Para este estudo, o Grupo Vanguarda é relevante não só pelo que significou para Campinas – um enorme avanço na área de artes plásticas – mas, principalmente, pela disseminação de suas idéias através de alguns de seus artistas que foram educadores e deram um novo rumo ao ensino de artes na cidade.

Uma das primeiras manifestações modernistas, em Campinas, foi a exposição de Geraldo Décourt, em 1952, no Teatro Municipal . Em entrevista telefônica, Décourt confirmou que sendo campineiro, quis fazer seu nascimento na pintura e nas artes, em Campinas, sua terra natal. Por volta de 1952, expôs uma série de trabalho geométricos, na sua fase daquela época. Desnecessário dizer que Campinas, naquela ocasião, apesar de sua arquitetura já estar bem avançada, levou um choque muito grande, pois estavam todos acostumados ao realismo visual. No início, houve uma certa oposição, mas conforme os dias foram passando, os estudantes de Campinas procuraram Décourt no Municipal, e se ofereceram para ficar tomando conta da exposição, na sua ausência, pois eles o admiravam por ter quebrado um tabu em Campinas. (1).

Também o Centro de Ciências, Letras e Artes de Campinas, com sua constância na divulgação de trabalhos dos artistas, assim como na educação dos mesmos e do público, muito contribuiu para propagar as idéias modernistas. Em 1957, seu Departamento de Pintura apresentava as seguintes atividades: “Exposição Didática do Museu de Arte Moderna de New York, Exposição de Desenhos Metafísico-mecaniscistas de Edoardo Belgrado, Curso de Arte Moderna pelo professor Wolfgang Pfeiffer, diretor do Museu de Arte Moderna de São Paulo, e Excursão à IV Bienal de São Paulo”. (2).

Nesse mesmo ano, Edoardo Belgrado, Hermes de Bernard, Mário Bueno, Mário Carneiro, Lélio Coluccini, Geraldo Décourt, Enéas Dedeca, Aristides Ferraz, Geraldo Jurgensen, Thomaz Perina, Raul Porto, Franco Sacchi e Geraldo de Souza realizaram uma exposição conjunta. A respeito dessa exposição, o crítico e historiador José de Castro Mendes, escrevia no Correio Popular do dia 5 de setembro de 1957:

“Abandonando os velhos preceitos das escolas acadêmicas, não mais reproduzem em suas obras os traços do homem e das coisas que o cercam neste planeta agitado por uma onda de inquietude e transformação. Na ânsia de se expandir livremente, atiram-se pelo terreno das pesquisas à procura de horizontes mais amplos onde a imaginação não pode ter freios. Isso acontece em relação à pintura, escultura, poesia e até mesmo com a música à qual aplicam novas teorias, dissonâncias e inovações revolucionárias. Em Campinas, entretanto, até há pouco tempo, parecia que essas idéias reformistas não haviam encontrado acolhimento, constituindo por isso verdadeira surpresa a exposição modernista ontem inaugurada no Teatro Municipal, onde se reuniram artistas conterrâneos e outros aqui residentes”.

Após essa exposição modernista, os artistas passaram a se encontrar no ateliê de Edoardo Belgrado, italiano que trouxe para o Brasil as idéia que, bem recentemente, havia visto e estudado na Europa. Por essa razão foi “decisiva sua participação na criação do Grupo Vanguarda”, surgido desses encontros com o intuito de levar ao público a arte contemporânea de Campinas. Criado o Grupo Vanguarda, foi redigido um manifesto e marcada uma primeira exposição de seus participantes, para junho de 1958, no andar térreo do Edifício Catedral. Nesse mesmo ano

“surge a oportunidade de um entrosamento com outro grupo de artistas que estava se mobilizando para uma arte de vanguarda: a Arte Concreta. Além de um amistoso relacionamento com Décio Pignatari (poeta e ensaísta), Waldemar Cordeiro (artista plástico e crítico), Fiaminghi (artista plástico) que, mais experientes e em posição já bastante previlegiada em São Paulo, procuram dar todo o apoio aos artistas campineiros”. (3)

Tomaram parte nessa primeira exposição do Grupo Vanguarda os seguintes artistas: Edoardo Belgrado, Hermes de Bernardi, Francisco Biojone, Mário Bueno, Geraldo Décourt, Maria Helena Motta Paes, Thomaz Perina, Raul Porto, Franco Sacchi e Geraldo de Souza. Essa exposição e as novas idéias difundidas pelo grupo geraram muitas polêmicas. Ela foi muito criticada  pelos artistas mais conservadores e pela maioria do público que, acostumados com os padrões neoclássicos, resistiram às novas propostas artísticas. No entanto, é nesse fim da década de 50 e através do Grupo Vanguarda que Campinas –até então atrasada em relação a outros centros do país, que já tinham incorporado os avanços da arte – coloca-se no mesmo nível que São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Fortaleza. O surgimento do Grupo Vanguarda foi decisivo para que Campinas, finalmente, deixasse de ser uma “província do Império”.

Nem todos os integrantes do Grupo Vanguarda procuraram divulgar as novas manifestações artísticas através do ensino. Alguns, entretanto, o fizeram: Thomaz Perina, Maria Helena Motta Paes e Francisco Biojne.

Já na década de 30, surgiu o talento de Thomaz Perina. Menino, ainda, desenhava onde pudesse e com o que tivesse às mãos, como por exemplo o carvão de fogão, uma vez que não conhecia o material específico, e nem tinha quem lhe ensinasse a usa-lo. Segundo seu depoimento, “pintava com tudo o que lhe era disponível, fosse com tinta de parede ou de pintar poste” (4). Autodidata, era ainda bem jovem quando recebeu o prêmio no Salão de Belas Artes de Campinas. Por essa razão foi convidado para dar aulas na Escola de Desenho e Pintura Campinas. Sem nenhum preparo pedagógico, tentou, da melhor maneira que lhe foi possível, passar aos alunos suas idéias sobre o trabalho de arte. Procurava, primeiramente, faze-los observar bem os objetos para, depois, passar a desenha-los, na tentativa de imitar a realidade, da melhor maneira possível. Para ele, essas aulas também serviram de aprendizado.

Apesar de, na época, a pintura de Thomaz Perina ser acadêmica, ele estava atento às mudanças que ocorriam na área das artes plásticas em outras partes do país e do mundo. A princípio, não entendia essa nova arte mas, depois de ver a primeira bienal de São Paulo, ficou claro para ele, o caminho a seguir. Sua nova postura frente a arte não permitia continuar ensinando da mesma maneira como vinha fazendo até então. Mas, como a Escola de Desenho e Pintura, onde lecionava, não lhe permitia inovar, coerente com o que acreditava, retirou-se dela passando a lecionar particularmente.

A um grupo de alunos interessado, Perina tentava ensinar arte segundo o método que julgava ser o mais apropriado: “arrancar o que estava latente em cada um, sem interferência” (5). Pedia para os alunos que fizessem uma séria de trabalhos “para ver onde estava a constância deles, onde de fato estava o caráter deles” (6). Em seu depoimento, Perina conta ainda que foi convidado a dar aulas na Fundação Armando Álvares Penteado, na Pontifícia Universidade Católica de Campinas e até na Unicamp, mas não aceitou nenhum desses convites. Preferiu, sempre, não estar ligado a instituições para que pudesse transmitir mais livremente suas idéias e conhecimentos. Depois de sua saída da Escola de Desenho e Pintura Campinas, o único colégio onde ensinou, por algum tempo, foi o Pio XII, num curso onde ele podia lecionar à sua maneira, sem fazer concessões.

Perina, durante mais de quarenta anos, vem infuenciando novos artistas, não só pelo seu ensinamento, mas principalmente pelo seu exemplo e talento.

Entre os fundadores do Grupo Vanguarda havia uma única mulher, Maria Helena Motta Paes. Ela era, nessa época, ainda bem jovem (e mulher!), mas seu trabalho se impôs. Foi Raul Porto quem levou seus desenhos para a apreciação de Belgrado, iniciando assim o processo que resultaria na sua participação no grupo. Maria Helena cita duas influências decisivas para o desenvolvimento de seu trabalho: Edoardo Belgrado e Waldemar Cordeiro. Para ela, Belgrado estava a “cem anos na frente de tudo” e Cordeiro “foi tudo na minha vida, um amigo, um incentivador, ele impulsionava você a criar, você a acreditar naquilo que você pretendia, porque ele tinha uma palavra que lhe dava força no momento em que você estava em dúvida” (7).

Em 1961, Maria Helena fundou o Grupo Hoje. Além de promover um curso de arte no Atelier São Judas Tadeu, localizado à Rua General Câmara, 277, o Grupo Hoje tinha por objetivo incentivar talentos novos. “Para mim, assistir a criação de um artista era uma coisa fundamental, tão importante quanto a Arte em si” (8). Os ensinamentos que recebeu de Edoardo Belgrado e, posteriormente, de Waldemar Cordeiro, Maria Helena passou para seus alunos, mas sem tentar influenciar o estilo próprio de cada um. Para ela, o professor não tem a função de criticar ou corrigir, mas de orientar, incentivar, esclarecer dúvidas, mostrar a história e a atualidade da arte no mundo. “Essencialmente o artista deve ser ele mesmo, antes e a despeito de qualquer reflexo, qualquer motivo, qualquer crítica. Ele tem que ser antes de tudo um  forte” (9)

À frente do Grupo Hoje, Maria Helena organizou exposições, nas quais apresentava tanto os valores já consagrados como os novos. Paulo Cheida Sans foi, na ocasião, um desses novos valores. As exposições abrangiam não só artes plásticas como fotografia, apresentações de música, dança, poesia e até teatro. Tal trabalho prosseguiu até 1977.

Maria Helena foi, também, diretora da seção de artes plásticas do Centro de Ciência, Letras e Artes de Campinas, onde promoveu talentos novos e antigos, indistintamente. A esse respeito, o Correio Popular, em 21 de junho de 1977, publicava num artigo:

“Permanece a inspiradora e calma e maravilhosa Maria Helena Motta Paes … Sem um mínimo de auto-promoção, Maria Helena promove os amigos, reúne artistas e consegue um ecumenismo total entre os artistas plásticos em Campinas …”

Nunca deixou de lado a sua arte. Ganhou vários prêmios, participou de salões contemporâneos e, inclusive, de duas bienais em São Paulo: a sétima e a nona. Por seu trabalho na VII Bienal de São Paulo foi indicada por críticos norte-americanos para participar da Exposição de Artistas Latino-Americanos, que percorreu os mais importantes centros culturais dos Estados Unidos. Atualmente, Maria Helena trabalha na preparação de uma nova exposição, que não será uma retrospectiva pois “o artista tem valor pelo que ele está fazendo atualmente, agora. O que ele já fez é história de sua vida. O que ele está fazendo hoje é sempre a resposta, o eco de tudo que ele já foi” (10)

Francisco Biojone, outro artista do Grupo Vanguarda, começou a desenhar mais ou menos aos quinze anos. Sua primeira professora foi a artista Maria Aparecida Bueno de Mello. Aprendeu muito desenho, luz e sombra antes de começar a pintar a óleo. Como era natural, na época, teve inicialmente uma formação acadêmica, passando pela Escola de Desenho e Pintura Campinas, onde foi aluno de Perina. Com 20 anos, já participando de salões, voltou a trabalhar com Maria Aparecida, na condição de companheiro de atelier. A seguir passou a dividir um atelier com Geraldo de Souza, fazendo novas experiências com a pintura.

Além de seu trabalho como artista, Biojone desenvolveu intenso trabalho na área de ensino. Por volta de 1956 começou a lecionar nas escolas públicas de Campinas, levando para o magistério a sua formação de artista. No Colégio Culto à Ciência, aboliu o ensino de faixas geométricas, gregas, etc …. Aproveitando o fato de que geometria descritiva era ensinada na cadeira de matemática, incentivou os alunos à criação livre, orientando-os no que era necessário. Lecionou também no Colégio Pio XII, onde formou uma pinacoteca com doações de obras de vários artistas campineiros e de outras cidades. Esta pinacoteca foi inaugurada em outubro de 1964, e tinha o objetivo de fazer com que os alunos aprendessem arte através do contato direto com as obras dos artistas. No Colégio Progresso, onde também lecionava, organizou um salão de arte. Paulo Cheida Sans e Moretti Bueno foram alguns dos seus alunos premiados nesse salão para ginasianos.

Embora tenha deixado de lecionar em escolas, Biojone conserva atualmente vários alunos particulares, que considera mais como companheiros de trabalho. A eles tenta passar sua vivência como artista e lapidar aquilo que encontra de melhor. “Eu não jogo meu estilo, minha forma, meu gosto. A gente tem que respeitar a idéia de quem vem para cá” (11) O mais importante no trabalho de Biojone, como professor, é que ele procura fazer com que seus alunos entendam a arte para, assim, aprecia-la melhor. No que se refere ao trabalho do artista, mostra que ele não é fruto apenas de inspiração mas também de muito trabalho, leitura de bons livros, tranqüilidade e boa música.

Notas

(1)   Entrevista telefônica com Geraldo Décourt no dia 24 de fevereiro de 1988.

(2)   Revista do Centro de Ciências, Letras e Artes. Campinas, 1956/1957, Ano LVI, nº 64, pág. 113.

(3)   Fonseca, Daiz Peixoto. Tempos Modernos, Arte Moderna. Grupo Vanguarda. Grupo Vanguarda de Artes Plástica em Campinas – 1958 – 1966. Publicação da Prefeitura Municipal de Campinas, 1981, pág. 9.

(4)   Entrevista de Thomaz Perina feita pela autora em 1987, gravada em fita cassete e arquivada no Centro de Memória da Unicamp

(5)   Idem.

(6)   Ibid.

(7)   Entrevista com Maria Helena Motta Paes feita pela autora em 1987, gravada em fita cassete e arquivada no Centro de Memória da Unicamp

(8)   Idem.

(9)   Ibid.

(10) Ibid.

(11) Entrevista de Francisco Biojone feita pela autora em 1987, gravada em fita cassete e arquivada no Centro de Memória da Unicamp

6.   O Ensino Artístico Infantil

Estivemos desenvolvendo até aqui o desenvolvimento do ensino de artes plásticas em Campinas, desde as primeiras aulas de Hércules Florence e, posteriormente de outros artistas, passando pelo importante papel do Centro de Ciências, Letras e Artes, como incentivador do ensino artístico, até o surgimento dos diversos grupos e tendências artísticas. O enfoque, entretanto, deu-se, até agora, sobre o ensino de artes plásticas para adultos. Mas, e o ensino dos primeiros passos em Arte? Como se desenvolveu o ensino para crianças em Campinas?

O ensino de artes plásticas para crianças exigiria, pela sua complexidade, uma pesquisa à parte, detalhada e profunda. Neste estudo, como a ênfase é dada sobre a influência exercida pelos artistas-educadores, daremos apenas informações gerais e nos concentraremos nos trabalhos de alguns artistas que, além de ensinarem adultos, dedicaram-se por algum tempo ao ensino artístico infantil.

A primeira informação sobre o estímulo à arte infantil, em Campinas, surge em 1937, com o 1º Salão de Arte Infantil, organizado por Célia Duarte, Salvador Caruso e José de Castro Mendes. Infelizmente não existem maiores informações sobre esta exposição no sentido de elucidar a origem dos desenhos expostos.

Em 1949, chega em Campinas a professora Maria da Conceição de Lima Horta e Verri (1) para ocupar a cadeira de desenho pedagógico do Instituto de Educação Carlos Gomes. Anteriormente, na cidade de Franca, havia feito pesquisas relativas à arte infantil. Assim, perseguindo suas pesquisas em Campinas, apresentou na comemoração do cinqüentenário da então Escola Normal (2), em 1954, uma exposição de desenhos infantis. A exposição mostrava uma série de desenhos feitos por crianças, organizados de acordo com as idades e as fases da evolução do desenho em que se encontravam as crianças. (3)

Outra inovação da professora Maria da Conceição é que nas suas aula, no curso normal, ressaltava, já naquela época, a necessidade de se conhecer as várias fases do desenho da criança.

Nessa mesma ocasião, o Centro de Ciências, Letras e Artes ofereceu um curso de artes plásticas ministrado pelo professor Renato Righeto. O curso incentivava a livre expressão das crianças e eram, na sua maioria, ministrados ao ar livre.

Em 1961, um jovem artista, Egas Francisco, tambéms e interessa pelo ensino artístico infantil e, como Righeto, resolve trabalho com as crianças, ao ar livre. Naquela época, a cidade de Campinas era suficientemente pacata para permitir ao artista sair com um bando de crianças, de 5 a 13 anos de idade, para se instalar em algum canto para pintar. O Largo do Rosário era um desses locais e eram também o lugar onde se concentravam inúmeros garotos  engraxates. O contato natural entre alunos e engraxates acabou ocorrendo e, assim, surgiu o Curso dos Engraxates. Este por sua vez deu origem ao Curso dos Pequenos Jornaleiros.

Esse trabalho pioneiro, de grande impacto social, envolvendo engraxates e jornaleiros, com idades variando entre oito e dezesseis anos, durou até 1962. Segundo Egas, foram as crianças que acaram fazendo com que descobrisse, em si mesmo, uma vocação para o magistério. Nas aulas, procurando entender e respeitar os sinais, através dos quais as tendências de cada um se manifestavam, começou a perceber que também ele estava aprendendo.

“Aprendi junto a eles que a liberdade é o que há de mais importante para um artista, para o desenvolvimento de uma criança e felicidade do homem e do ser humano, desde que essa felicidade saiba ser usada” (4)

Egas também lecionou pintura no Instituto D. Nery durante dois anos, além de sua marcante atuação no curso de pintura infantil do Conservatório Carlos Gomes. Junto com Lea Ziggiati Monteiro, proporcionou o encontro das crianças com as outras artes – teatro, artes plásticas, dança – além de música, o que veio, posteriormente dar origem à Casa de Chocolate, um departamento do Conservatório Carlos Gomes, inteiramente dedicado às artes. (5)

Egas afirma que, enquanto as aulas ministradas às crianças proporcionavam muita satisfação e recompensa intelectual, o ensino para adultos, mais trabalhoso, nem sempre lhe causava prazer. Ressalva, todavia, que o trabalho com alunos talentosos, e ele teve vários, é gratificante. Com o passar do tempo, acabou por se dedicar somente ao seu solitário trabalho de pintura, pois, segundo afirma, para ele pintar é viver.

Também, no Conservatório Musical Campinas sugiram, em 1970 por iniciativa de Wanda Rosa, cursos de artes plásticas para crianças e adolescentes. Recém-chegada do Rio de Janeiro, artista premiada, professora e mulher empreendedora, Wanda Rosa, inspirando-se na Escolinha do Rio de Janeiro de Augusto Rodrigues, organiza no Conservatório Campinas, então pertencente à Pontifícia Universidade Católica de Campinas, cursos de arte para crianças de 3 a 9 anos e de 9 a 13 anos. O primeiro foi orientado pela professora Mayris Rosa, especializada em ensino de artes plásticas no curso de Augusto Rodrigues, no Rio de Janeiro. O segundo foi desenvolvido por Berenice Toledo.

O objetivo central de todos esses cursos era atender cada aluno individualmente, desenvolvendo seu potencial criador, ao mesmo tempo em que se incentivava o trabalho em equipe, através da aprendizagem da técnica. Foi o sucesso desses cursos que possibilitaria em 1974 a criação do Curso de Artes Plásticas e Desenho da PUC-Campinas, também por iniciativa de Wanda Rosa.

Berenice Toledo, em 1973, foi convidada por Bernardo Caro – seu professor na ocasião – para lecionar arte para crianças na Galeria Girassol. Aceitando o convite, deixou o Conservatório “Campinas” para se dedicar inteiramente ao trabalho na Galeria. Lá, juntamente com Raquel Bolsonaro Penteado, lecionou durante dois anos para crianças de 3 a 13 anos. Como proposta de trabalho, utilizou todo tipo de material – gesso, argila, pedra sabão, tinta solúvel em água, tela, papel, etc, procurando criar um clima de “liberdade motivada”. Sua proposta no curso, era

“Estimular o interesse do aluno pela arte como fator vital em sua vida pessoal, em sua casa, sua escola e sua comunidade, desenvolvendo interesses artísticos vocacionais. Encorajar o aluno a experimentar, criar, julgar e a avaliar o seu progresso em arte. Desenvolver e enriquecer sua personalidade, através de uma variedade de experiências criadoras, desenvolver o senso de “individualidade”, confiança em seu próprio julgamente e o respeito pela expressão artística de cada um” (6)

Paralelamente ao ensino, Berenice desenvolvia o seu trabalho em arte, e isso Berenice acredita, “passa para a criança uma motivação de busca. Não dá para entender mexer com criança sem morrer de amor por arte. Você recebe da criança e passa também, é mútuo” (7)

Quando a Galeria Girassol fecha, Bernardo Caro, tendo como sócias e professora Raquel e Berenice, monta a escola Convívio de Arte. Nela, o esquema de ensino continuou o mesmo da antiga Galeria Girassol. A escola Livre Convívio de Arte funcionou até 1980, tendo assim tido seis anos de dedicação ao ensino e desenvolvimento da arte em Campinas. Mas, a atividade docente de Berenice não parou por aí, pois ela já estava lecionando na Pontifícia Universidade Católica de Campinas, como assistente de Bernardo Caro. Em 1983, desliga-se dessa instituição e participando da criação e implantação do curso de Bacharelado e Licenciatura em Educação Artística da Unicamp, passa a ele se dedicar integralmente.

Outro artista que dedicou parte de seu tempo ao ensino de artes às crianças é Clodomiro Lucas. Clodomiro na juventude foi aluno da escola do Sr. Olavo, de Thomaz Perina, e participou do Grupo Hoje. É um artista voltado à pesquisa de materiais e técnicas e já trilhou vários caminhos de artes plásticas, entre eles a pintura, o desenho e a gravura, a qual vem recentemente aliando a arte de fazer papel. Segundo o artista:

“A pesquisa em papel artesanal foi para mim muito gratificante. Nos 25 anos que venho atuando como artista plástico contemporâneo, dediquei-me a vários tipos de pesquisas artísticas, principalmente no campo da gravura. Mas, foi no papel artesanal que realizei as melhores experiências. Pesquisando plantas as mais diversas, cheguei no papel artesanal com fibras, sem misturas químicas. Consegui extrair um suporte artesanal arte, inserindo as figuras geométricas em meus trabalhos o que lhe valeu qualidade e uma nova linguagem.” (8)

Por intermédio da Secretaria de Cultura, em 1976, Clodomiro implantou um curso livre de arte infantil, que era desenvolvido na praça, mais especificamente ao redor do coreto do jardim Carlos Gomes. Nele, as crianças podiam trabalhar à vontade nas manhãs de domingo. Devido à localização central da praça, dezenas de crianças de todas as classes sociais passaram a freqüentar o curso. Nele as crianças pintavam com inteira liberdade.

Sem receber nenhuma remuneração, Clodomiro, com a colaboração de Mário Levy, realizava tal trabalho simplesmente pelo interesse artístico de poder desenvolver o gosto das crianças pela arte. Segundo ele, era uma oportunidade de formar o gosto estético e, ao mesmo tempo, proporcionar-lhes uma manhã de lazer. Mas, a partir do momento em que a Prefeitura de Campinas institucionalizou essa escolinha, contratando professores de escolas públicas orientar as atividades, Clodomiro entendeu que o curso tinha perdido seu objetivo e retirou-se.

Clodomiro lecionou também no Conservatório Carlos Gomes ao lado de Lea Ziggiati, em 1977. Atualmente, é professor de gravura no Museu de Arte Contemporânea José Pancetti. A respeito desse trabalho, Clodomiro deixa claro que ensina somente a técnica, sendo que cada aluno é livre para desenvolver seu trabalho segundo sua própria criatividade.

Assim, Clodomiro, com toda a sua experiência de artista, procura, como professor, passa-la aos seus alunos. Ao mesmo tempo, está sempre incentivando novos talentos, não só através dos eventos que o Museu José Pancetti realiza como todos os outros em que participa.

Cumpre ainda ressaltar o trabalho de Suely Pinotti, no que se refere ao ensino de artes plásticas para crianças e adolescentes.

Nos anos 60, funcionaram, em várias escolas públicas do Estado de São Paulo, os grupos experimentais dos ginásios vocacionais que davam um grande ênfase à arte. Suely Pinotti, tendo trabalhado em São Paulo num desses ginásios vocacionais, traz para as escolas públicas de Campinas suas experiências nessa área. Aqui, num trabalho inovador, buscava levar seus alunos a pesquisar o meio ambiente em que viviam, procurando retrata-lo através do desenho e da pintura. Aos poucos a expressão se impunha, as crianças tomavam gosto pelo desenho, expandindo sua natureza e se expressando melhor.

Depois de 15 anos de magistério, com as condições de ensino público ficando cada vez mais precárias, Suely, sentido que o trabalho nas escolas públicas oficiais já era gratificante, resolveu se retirar. A partir de 1973, ligou-se à Equipe Convívio, liderada por Bernardo Caro, e passou a dedicar seu tempo integralmente a atividades ligadas à arte.

Em 1983, participou da equipe que implantou o curso de Artes Plásticas da Unicamp, onde atualmente leciona e desenvolve sua proposta artística.

“A infância e os folguedo infantis vêm sendo a matéria-prima de Suely Pinotti desde os anos 70. De lá para cá, é este o traço característico de seu estilo e é também a sua verdade, verdade no sentido de que escolher e persistir num tema é, acima de tudo, um ato de consciência.” (9)

Nesta parte do trabalho veremos também dois artistas jovens, cada um com passado diferente do outro em relação às influências recebidas na área artística e analisaremos como encaram o ensino de arte para crianças, nessa década de 80. São eles Paulo Cheida Sanas e Zay Pereira.

Paulo Cheida Sans é um artista que começou sua carreira artística em Campinas, desde criança, bastante incentivado por seus pais e por vários artistas:

“Realmente, eles me deram uma grande oportunidade para que eu me deslanchasse no sentido das idéias. Os artista de certa forma não tiveram uma influência direta no meu trabalho, mas influenciaram de modo inconsciente, que é difícil uma análise de como veio essa influência. Mas eu sei que foi a cultura da cidade que me moveu, que me impulsionou dessa forma … Campinas era uma cidade borbulhante de eventos artísticos.” (10)

Criança ainda, teve como primeiro professor Egas Francisco. Na adolescência, no curso ginasial, Biojone. Teve ainda grande incentivo de Maria Helena Motta Paes e Clodomiro Lucas. No curso superior, foi aluno de Bernardo Caro, Berenice Toledo, Alberto Teixeira e Piki, entre outros.

Além de artista bem sucedido, Cheida Sans preocupa-se com a educação artística de crianças, adolescentes e adultos. Para ele, a “função do arte-educador é `dominar`, no bom sentido, a criatividade do alunos” (11). O aluno já traz dentro de si a arte, cabendo ao arte-educador a função de faze-la desabrochar e desenvolvê-la.

Paulo Cheida Sans lecionou de 1976 a 1986 no Conservatório Carlos Gomes, onde foi aluno quando criança. Como educador, aprendeu muito nesse período. No seu trabalho com professor, procura mostrar a seus alunos o respeito que teve dos artistas, seus professores, quando criança e adolescente. Deixa a criança livre, respeitando sua expressão, conforme as fases do desenho, incentivando-as, estimulando-as, tentando evitar o bloqueio que algumas têm ou desenvolvem na adolescência quando param de desenhar. Ele afirma que, para lecionar a crianças, não é necessário ser artista mas ter sensibilidade para entende-las e respeita-las. Já o adulto, segundo ele, precisa de um professor que seja artista para poder ter a sensibilidade de extrair do aluno aquilo que ele já possui dentro dele, sem entretanto influenciá-lo. Neste sentido, entende que a “ universidade não tem condições nenhuma de formar artistas mas tem condições de mostrar o artista que a pessoa é.” (12)

Atualmente, Paulo Cheida Sans é professor e coordenador do Departamento de Artes Plásticas do Instituto de Artes e Comunicação da PUC-Campinas. É, além disso, um incentivador de talentos, através de eventos artísticos, que promove tanto para veteranos com para jovens artistas, além de, obviamente, nunca ter deixado de lado o seu trabalho artístico.

Zay Pereira é outro artista jovem que, em Campinas, dedicou-se ao ensino de arte para crianças. Autodidata, veio de outra cidade para Campinas e enfrentou muitas dificuldades na sua adolescência, pois sua cidade natal – Novo Horizonte – não via a atividade artística com bons olhos. Já adulto tomou conhecimento da arte contemporânea no Atelier Áster, em São Paulo, onde esteve em contato com Walter Zanini, Regina Silveira, Julio Plaza, Leon Ferrari e Evandro Carlos Jardim. Daí para frente, sua maior escola foi estar o tempo todo em contato com a arte, através de exposições, leitura e contatos pessoais com artistas.

Já em Campinas, em 1981, montou a Artéria, um atelier onde crianças, jovens e adultos tinham aulas de artes plásticas. A Artéria tinha como objetivo desenvolver o lúdico da arte, através da busca de soltura do traço. Segundo Zay, com as pessoas tinham características próprias no modo de falar, nos gestos, no andar, nos trejeitos, elas deveriam ter, também, sua maneira própria de desenhar. Assim, a individualidade e a criatividade devem ser respeitadas e desenvolvidas. Zay crê ainda que a criança recarrega energeticamente o mundo e que o adulto tem muito a aprender com ela. Não só as crianças, mas todas as pessoas devem crescer interiormente e conseguir o máximo de conhecimento para desenvolver sua sensibilidade.

Na Artéria, trabalhou junto com Zay, Malú Neves que atualmente é uma das coordenadoras da Galeria Arte da Unicamp. Zay e Malú tinham idéias muito parecidas sobre como desenvolver o trabalho em arte com crianças. A experiência dos dois durou até 1983, quando a Artéria foi fechada.

Posteriormente, Zay tentou montar uma cooperativa de arte, onde artistas de várias áreas trabalhassem juntos, aprendendo uns com os outros, o que ainda não deu certo. Existe, entretanto, a esperança de que, no futuro, isso ainda venha a se concretizar.

Atualmente, Zay se encontra na Itália, onde pretende aperfeiçoar seus conhecimentos de arte industrial, o que acha importante para o desenvolvimento de seu trabalho artístico.

É importante lembrar, ainda, o papel exercido por diversas instituições de Campinas no ensino de arte infantil. Além das já mencionadas, como o Conservatório Carlos Gomes, Casa de Chocolate, Centro de Ciências, Letras e Artes, Galeria Girassol  e Convívio de Arte, o Museu de Arte Contemporânea também teve algumas iniciativas. Ele tem oferecido alguns cursos de artes plásticas dirigidas tanto às crianças como a adultos. No que se refere às crianças, Malú Neves, num dos cursos promovidos pelo museu, em 1984, desenvolveu o que considera uma de suas melhores experiências de ensino. No museu, as crianças entravam em contato direto com as exposições de grandes artistas, e isto se refletia diretamente no trabalho plástico por ela desenvolvido. O resultado da visita das crianças à exposição de cartazes de Miro, realizada no museu, por exemplo, foi excepcional. Quem visse a exposição de Miro e depois a exposição dos trabalhos infantis poderia verificar a grande empatia entre o espírito do trabalho do artista e as respostas correspondentes das crianças, através de seus desenhos e pinturas numa exposição paralela.

Notas

(1)   D. Conceição pertence ao rol daquelas artistas que trabalham em silêncio, tendo exposto seus trabalhos somente em Franca, na juventude.

(2)   Hoje Instituto de Educação Carlos Gomes.

(3)   Bernardo Caro, então seu aluno, colaborou na coleta e organização dos desenhos dessa exposição.

(4)   Entrevista de Egas Francisco feita pela autora em 1987, gravada em fita cassete e arquivada no Departamento de Artes Plásticas da Unicamp.

(5)   Segundo Lea Ziggiati, diretora da Casa de Chocolate, esta proposta vem sendo ampliada e em 1975 surgiu uma proposta coletiva de trabalho – o Trem Fantasma. Nela, durante três meses, as crianças de várias classes participaram do trabalho: as de artes plásticas cuidaram do visual, e as de música, da trilha sonora. Assim, todos colaboraram para a instalação do Trem Fantasma, no porão do Conservatório.

(6)   Arte, fator vital para a criança, no “happening”. Diário do Povo. Campinas, 29/6/1973. pg. 11.

(7)   Entrevista de Berenice Toledo feita pela autora em 1987, gravada em fita cassete e arquivada no Centro de Memória da Unicamp.

(8)   Catálogo da exposição “Papel artesanal no Brasil” – Museu de Arte Contemporânea José Pancetti de Campinas.

(9)   Eustáquio Gomes – Contraponto – Pinturas – Suely Pinotti, Museu de Arte Brasileira – Faap – SP.

(10) Entrevista de Paulo Cheida Sans feita pela autora em 1987, gravada em fita cassete e arquivada no Centro da Memória da Unicamp.

(11)                      Idem

(12)                      Ibid.

 7.     O Início do Ensino Superior de Artes Plásticas

Apesar do Centro de Ciências, Letras e Artes ter feito, no início deste século, uma primeira tentativa no sentido de implantar uma Escola de Belas Artes em Campinas, o ensino superior de artes plásticas foi surgir em 1972, com a criação do curso de Artes Plásticas e Desenho  na PUC-Campinas.

O movimento modernista de Campinas, iniciado com a primeira exposição de Décourt, em 1952, e culminando com a fundação do Grupo Vanguarda, em 1957, instigou, na década de 60, uma certa rivalidade entre os vanguardistas e os acadêmicos e impressionistas da cidade. Essa rivalidade teve, é claro, momento de recriminações amargas parte a parte, mas também fez com que significativa parte da população passasse a se interessar um pouco mais pelas exposições de artes plásticas realizadas na cidade, chegando mesmo a tomar partido deste ou daquele grupo e, defendendo ardorosamente, seus pontos de vista. A leitura de jornais da época demonstra, facilmente, a veracidade dessas afirmações.

Com o aumento do interesse por parte da população pelas artes plásticas, era natural que a idéia de criação de um curso superior nessa área ganhasse força. De fato, em 1964, em reportagem publicada no Diário do Povo, Tiana Amarante escreve sobre o entusiasmo que reinava entre os artistas plásticos de Campinas e o público em geral pela possibilidade da criação oficial de uma Escola de Belas Artes.

Não foi naquela vez, entretanto, que o ensino superior de artes plásticas seria iniciado em Campinas. Isso só iria ocorrer oito anos depois por iniciativa da já mencionada artista plástica Wanda Rosa. Através de seus esforços, foi criado na PUC-Campinas o curso de Artes Plástica e Desenho que, em 1974, foi ampliado para o Curso de Educação Artística – Habilitações em Música, Artes Plásticas e Desenho.

Para estruturar o cruso, Wanda Aparecida Fernandes Rosa visitou e consultou vários artistas atuantes em Campinas e São Paulo. Inicialmente, o curso contou com a colaboração dos seguintes professores: Alberto Teixeira, Barnardo Caro, Duílio Battistoni Filho, José Luiz Pimentel Wutke, Hilda Martini de Barros, Luigi Zanoto, Maria Aparecida Bueno de Mello, conhecida por Piki, Olquídio Lopez Bardneu, Sebatiana Martins Garcia Blanco, conhecida como Dona Cotinha.

Alberto Teixeira, além de ter sido convidado para lecionar desenho artístico, evolução das artes visuais e evolução das técnicas de representação gráfica, muito ajudou na criação e organização desse novo curso.

Ele começou sua carreira artística ainda em Portugal, onde nasceu, tendo cursado a Sociedade Nacional de Belas Artes de Lisboa. No Brasil, estudou durante três anos com Sanson Flexor. Lecionou em vários estabelecimentos da capital paulista, e  Campinas o conhecia não só por suas obras, como também pelas aulas ministradas na Galeria Girassol, em 1970, e no Centro de Ciências, Letras e Artes, em 1971.

Na PUC-Campinas, Alberto Teixeira lecionou como professor titular durante cinco anos, de onde se desligou em 1977. A partir desta data, até 1983, passou a lecionar desenho e pintura no Museu de Arte Contemporânea José Pancetti. Atualmente, tem um pequeno grupo de alunos que se encontram semanalmente em seu atelier e também dá alguns cursos em outras cidades. Para ele, ensinar é importante porque:

“Nós não apenas ajudamos os outros, mas somos ajudados por eles, principalmente, pelos alunos. A gente aprende ensinando. Isso qualquer pessoa que ensina sabe.” (1)

Apesar de se dedicar à pintura abstracionista, Alberto Teixeira considera:

“de muita utilidade que o artista tenha um estudo da natureza, das formas da natureza, que esteja apto como desenhista e pintor a registrar a verdade das formas da natureza. Isto não quer dizer que ele o faça fotograficamente, mas com verdade. Que as formas, o caráter das formas, a beleza da luz, seja realmente expressa com verdade, e para isso tem que haver um certo treinamento. É nesse sentido que o meu ensino se organiza.” (2)

Alberto Teixeira ainda afirma que o seu primeiro mestre foi a natureza, e que também aprendeu muito vendo exposições. Quanto ao seu método de ensino, diz que consiste em:

“estimular a invenção de cada um, ajudar gramática e tecnicamente a cada um e estimular a expressão pessoal de cada um com muita informação histórica.” (3)

No curso de Artes Plásticas da PUC-Campinas, Bernardo Caro foi convidado para dar aulas de pintura e artes industriais (gravura era, então, considerada artes industriais). Nessa ocasião já tinha um currículo bem amplo como artista e educador, que segundo conta, foi desenvolvido sempre às custas de muita luta e trabalho.

Como não tinha dinheiro para estudar pintura, Bernardo Caro aprendeu, segundo suas próprias palavras, “sempre roubando dos outros”. Explicando melhor, conta que perto de sua casa havia um atelier de pintura, cujas janelas davam para a rua. Sempre que podia, garoto ainda, observava os artistas trabalhando, “cheirando aquele óleo gostoso de linhaça”. Mais velho um pouco, quando à noite passava perto da escola do Sr. Olavo – na ocasião localizada num antigo prédio da Mogiana – assistia, do lado de fora, as aulas dadas pelos professores: “Thomaz Perina indiretamente teve um aluno que ele mal sabia que existia e até hoje eu o considero meu mestre.” (4) Seus estudos de pintura foram desenvolvidos nas horas vagas, trabalhando e também freqüentando exposições. Em 1954, aprovado em concurso para professor de artes industriais, passou a lecionar em diferentes cidades, como Uchoa, Tanabi, Amparo, Valinhos, onde organizou o primeiro salão de arte infantil. Durante todos esses anos em que lecionou, continuou trabalhando como artista – participou de vários salões e até Bienais – sempre atento ao que surgia de novo, procurando passar a seus alunos as experiências adquiridas. No ano de 1964, integra-se ao Grupo Vanguarda e torna-se membro ativo do mesmo, participando de todas as exposições promovidas pelo grupo. No ano de 1969, transfere-se para Campinas, onde além de lecionar no Colégio Estadual Professor Vilagellin Neto, passa a lecionar também no Colégio Progresso. Neste colégio, organizou um “happening” para os alunos de toda região do Estado. Foi um domingo inteiro dedicado às artes, começando com os alunos trazendo todo e qualquer tipo de material, formando uma enorme pilha da qual, mais tarde, iriam retirar o que precisassem para realizar suas obras de arte.

Como professor, Bernardo procurou passar para seus alunos tudo o que de novo aprendia em arte, incutindo neles a idéia do trabalho em equipe. Assim, na pré-Bienal de 1972, sua obra “O Cavalinho de Pau” teve a colaboração de alguns alunos da 8ª série. Também a sua escultura ambiental-conceitual “Sempre” foi feita em colaboração com o Grupo Convívio, da escola do mesmo nome e, da qual era diretor. Na PUC-Campinas, Bernardo Caro trabalhou durante 13 anos, de onde saiu para liderar a implantação do curso de licenciatura e bacharelado em Artes Plásticas da Unicamp. Conforme afirma em sua entrevista, acostumado a enfrentar desafios, não resistiu a esse. Hoje, considera importante utilizar a sua posição e experiência para transmitir conhecimentos e proporcionar oportunidades aos mais jovens.

Luigi Zanoto, artista plástico italiano formado em Veneza, chegou ao Brasil em 1957, tendo fixado residência em São Paulo. Na ocasião, foi convidado a lecionar na PUC-Campinas, era professor da Fundação Armando Álvaro Penteado. Pintor e desenhista, tornou-se conhecido pela utilização de materiais não convencionais, bem como por seu notável estímulo a pesquisas de vanguarda. Seu trabalho como professor nesta universidade de Campinas desenvolveu-se durante seis anos.

Maria Aparecida Bueno de Mello, ou Piki, como é conhecida, foi aluna de Thomaz Perina. Em 1948, já o ajudava na Escola de Desenho e Pintura Campinas. Nessa ocasião, também ministrava aulas particulares de pintura, tanto para garotas do curso ginasial como para jovens e senhoras. Além disso, preparava os que pretendiam fazer o vestibular em arquitetura na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da Universidade de São Paulo (USP). Em 1954, deu um curso de pintura no Centro de Ciências, Letras e Artes e lá mesmo estudou escultura com Lélio Coluccini. Posteriormente, estudou escultura com Vlavianos, na Fundação Armando Álvares Penteado, com Décio Moura, no Festival de Inverno de Ouro Preto (escultura em pedra sabão, entalhe em madeira, solda elétrica com eletrodo, sucata) e aperfeiçoou seus conhecimentos em arte moderna com Alberto Teixeira. Nos anos de 963 e 1964, participou de várias exposições do Grupo Vanguarda, onde fora apresentada por Biojone.

Em 1968, Piki fundou o Grupo da Vinci, com o intuito de ensinar e divulgar novos talentos. Ela queria trabalhar com a arte tanto quanto ensina-la:

“o transmitir para o aluno é uma coisa tão maravilhosa, é como seu desse o meu saber, que tivesse, por exemplo, bem guardado em mim e que eu levantasse a mão numa árvore e apanhasse um fruto novo.” (5)

Para ela, o professor deve estudar constantemente pois “quanto mais o professor tiver conhecimento, mais ele tem prazer em transmitir.” (6)

Por estas e muitas outras razões é que, indicada por Lélio Coluccini, Piki foi convidada por Wanda Rosa para dar aulas de escultura na PUC-Campinas, o que vem fazendo com muito empenho e dedicação até os dias de hoje.

O indiscutível idealismo e capacidade artística desses professores-artistas, que iniciaram o curso de Artes Plásticas e Desenho na PUC-Campinas, foi decisivo para que o mesmo se firmasse e mantivesse o padrão de ensino que até hoje possui.

Atualmente, o Departamento de Artes Plásticas do Instituto de Artes e Comunicação da PUC-Campinas tem como coordenador o artista plástico Paulo de Tarso Cheida Sans.

Notas

(1)   Entrevista de Alberto Teixeira feita pela autora em 1987, gravada em fita cassete e arquivada no Centro de Memória da Unicamp

(2)   Idem

(3)   Ibid

(4)   Entrevista de Bernardo Caro feita pela autora em 1987,  gravada em fita cassete e arquivada no Departamento de Artes Plásticas da Unicamp.

(5)   Entrevista de Maria Aparecida Bueno de Mello feita pela autora em 1987,  gravada em fita cassete e arquivada no Departamento de Artes Plásticas da Unicamp.

(6)   Idem

8.      O ensino de artes plásticas na Unicamp

Chegamos à meta final deste trabalho: 1983 – implantação do curso de Bacharelado e licenciatura plena em Educação Artística na Unicamp.

A Universidade Estadual de Campinas, criada em 1965, promoveu as primeiras atividades na área de artes plásticas em 1978, através de cursos de extensão, ministrados pelos artistas plásticos Fúlvia Gonçalves e Álvaro de Bautista. Estes cursos foram a primeira semente para a implantação do curso de bacharelado e licenciatura plena em Educação Artística, que iniciou suas atividades em 1984.

Fúlvia veio de Ribeirão Preto, onde foi aluno de Pedro Manoel Gismonti (crítico de arte) e dos artistas plásticos Wesley Duke Lee, Bassani Vaccarini e Alberti (professor de Florença). Concluídos seus estudos no Brasil, visitou a Itália, onde freqüentou alguns cursos e teve a oportunidade de ver como os europeus lidavam com opostos, tais como a arte acadêmica e o futurismo. Essa viagem levou-a a utilizar novos materiais e a fazer pesquisas, acompanhando os avanços da tecnologia e da ciência. Aprendeu que o ensino da arte extrapola as paredes de uma sala de aula. “Arte é vida, é vivência, é o cotidiano, é renovar sempre, é o dia a dia.” (1)

Fúlvia chegou à Unicamp em 1978. Não havia, nesta ocasião, um curso regular de artes. As condições materiais eram mínimas e suas aulas eram dadas ao ar livre. O espaço, entretanto, não importava, mas sim as propostas, as pesquisas. O ambiente era saudável e efervecente. Fúlvia trabalhava ao lado de professores como Benito Juarez, Raul do Valle, José Luiz de Paes Nunes e Almeida Prado, todos artistas na área de música do então recém-criado Instituto de Artes. Seu primeiro projeto de trabalho na universidade, que chamou Unicamp Arte Contemporânea, englobava: um curso livre, parecido com os de atelier e com objetivos de proporcionar um ambiente de discussões e debates, onde os alunos pudessem criar e vivenciar a arte de uma maneira sadia; e criação de uma Galeria de Arte para os professores e alunos poderem expor seus trabalhos. Esta idéia, no entanto, não se concretizou na ocasião por falta de verba.

No projeto de Atelier, Fúlvia trabalhou com universitários e organizou uma exposição dos trabalhos que os mesmo executavam nos cadernos, no meio das anotações das outras matérias. Essa exposição serviu de chamariz para atrair novos estudantes.

Fúlvia criou também um atelier de professores da Unicamp, que ela chamou de Arte por lazer.

Em 1979, foi criado o primeiro curso de extensão em artes plásticas na Unicamp. Para desenvolve-lo, Fúlvia montou um atelier de gravura, ministrando aulas de xilogravura e gravura em metal, com a preocupação de partir sempre dos projetos dos alunos.

Em 1983, foi organizado outro curso de extensão – Estrutura e Composição Plástica – desta vez ministrado com a colaboração de Bernardo Caro e Berenice Toledo.

Desde então, Fúlvia vem lecionando no Departamento de Artes Plásticas, onde atualmente exerce o cargo de chefe. Durante todos esses anos, ela nunca desvinculou o seu trabalhar artístico do ensinar artístico e procurou sempre, como artista-criadora, modificar alguma coisa no meio de modo a propiciar o fazer artístico.

Outro artista e professor, cuja atuação foi decisiva na implantação do Departamento de Artes Plásticas da Unicamp, foi Álvaro de Bautista. Formado pela Escola Superior de Belas Artes de Madri, depois de alguns anos de experiência na Europa, como professor e artista, veio para a Unicamp convidado por Rogério Cerqueira Leite. Segundo Álvaro, a sua vinda fazia parte do projeto de implantação do Departamento de Artes Plástica da Unicamp. Aqui chegando, já encontrou Fúlvia desenvolvendo seus cursos livres, mas de maneira precária no que se referia às condições materiais. Em conversa com Zeferino Vaz, reitor da universidade, conseguiu um barracão que dividido com Celso Nunes, então desenvolvendo atividades de teatro, foi utilizado para suas aulas e de Fúlvia. A luta para superar as dificuldades materiais foi grande:

“Aproveitando os meus conhecimentos, todos os meios que eu tinha, eu fabriquei todos os cavaletes tanto de escultura como de pintura, com material usado, de segunda (hoje ainda estão funcionando) e montamos uma escola.” (2)

Para seu curso, em 1979, foi feito um exame de seleção do qual participaram 170 pessoa, tendo sido selecionadas 40, divididas em dois grupos de 20 alunos. Por falta de material e espaço, os 20 alunos mais adiantados faziam pintura, desenho e escultura. Os outros trabalhavam desenho e escultura.

Assim, Álvaro tentou fazer de seu curso de extensão um atelier de arte parecido com os que havia na Itália e França, onde seus alunos trabalhavam em tempo integral:

“Sim, sem dúvida, tentei, sobretudo por ter consciência que esse sistema que eu havia comprovado em mim conseguia pelo menos que o aluno tivesse uma base sólida de desenho e pintura. Eu não estou discutindo tendências … Eu creio que, fundamentalmente, a técnica que o aluno aprende é uma linguagem,um meio de expressão e depois ele usa para dizer o que tem, sem tem … eu tentei, a princípio, fundamentalmente dar uma base sólida para que os alunos tivessem linguagem própria. “ (3)

Esse primeiro curso de extensão funcionou desta maneira até fins de 1983, fornecendo excelente e sólida base de desenho e pintura, como aliás era seu objetivo para os alunos que o freqüentaram. Assim é que, entre os onze alunos formados na primeira turma do curso de Bacharelado em Educação Artística da Unicamp, sete eram originários desse curso de extensão. Esse curso também serviu de incentivo à formação de um grupo de artistas – Grupo Sótão – a maioria ex-alunos de Álvaro e que desenvolvem até hoje suas atividades em atelier conjunto, montado no prédio da Delegacia de Cultura de Campinas.

Atualmente, o Departamento de Artes Plásticas da Unicamp tem o seu curso bem estruturado e conta com um corpo docente altamente capacitado para orientar os 80 alunos que, em média, freqüentam os quatro anos letivos.

Notas

(1)   Entrevista de Fúlvia Gonçalvez feita pela autora em 1987, gravada em fita cassete e arquivada no Centro de Memória da Unicamp

(2)   Entrevista de Álvaro Bautista feita pela autora em 1987, gravada em fita cassete e arquivada no Centro de Memória da Unicamp.

(3)   Idem

Conclusão

Campinas sempre se dedicou às artes plásticas e esse interesse foi crescendo junto com o desenvolvimento da cidade. Mas, houve um período particularmente fértil, de 1958 a 1978, época em que as artes plásticas em Campinas acompanharam o que de melhor havia nos grandes centros do país.

Qual a razão disso? Nesta pesquisa foi possível apurar que o Centro de Ciência, Letras e Artes, no início dos anos 50, oferecia ao público cursos de artes plásticas, palestras e exposições que apontavam para o avanço nas artes plásticas. Em 1952, Geraldo Décourt fez a primeira exposição modernista de Campinas, no Teatro Municipal. Nesse mesmo período, vários outros artistas da cidade já estavam fazendo trabalhos mais modernos. O surgimetno do Grupo Vanguarda, em 1958, finalmente fixou Campinas entre os centros que produziam arte contemporânea. O Museu de Arte Contemporânea (atualmente Museu de arte Contemporânea José Pancetti), fundado em 1965, teve um período áureo com seus salões de Arte Contemporânea. Nestes salões, que foram interrompidos em 1978, iremos encontrar os artistas campineiros, lado a lado com os grandes nomes da arte nacional e em contato com importantes críticos de arte do país.

Está evidente que esse ambiente proporcionou aos artistas deste período, um estímulo que os fez caminhar a passos largos. Esses avanços nas artes plásticas, refletiram diretamente na questão do ensino. Os artistas-educadores não só modificaram sua maneira de encarar a arte e seu fazer artístico mas também passaram essas mudanças a seus alunos e renovaram seus métodos de ensino. Nesta pesquisa, ficou claro que o modo de encarar a arte e o tipo de trabalho que cada artista faz influiu na sua maneira de ensinar artes plásticas.

Infelizmente, não houve possibilidade de se estudar e analisar o método de ensino de cada artista-educador mais detalhadamente, ficando esta tarefa para uma pesquisa futura, mais específica e profunda.

Na realidade, este trabalho é um simples grão de areia que gostaria que se transformasse numa montanha com o acréscimo de novas pesquisas, mais detalhadas, à respeito de arte, dos artistas-educadores de Campinas.

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